Você já deve estar cansada de ler análises no LinkedIn ou no Instagram sobre o marketing do filme da Barbie (2023), de Greta Gerwig, ou das discussões sobre o comercial da Volkswagen que “revive” Elis Regina, cantora falecida há mais de 40 anos. Um é um filme altamente esperado pelo público, outro uma campanha publicitária que aposta em um uso inovador, mas muito controverso da tecnologia deepfake – mas o hype dos dois assuntos orbita em torno de um sentimento: a nostalgia.
Por que esse sentimento é capaz de influenciar tanto o comportamento do consumidor hoje em dia?
Ok, não é exatamente uma novidade: o marketing de nostalgia já vem sendo comentado há alguns anos, e se você acompanha notícias relacionadas a publicidade deve ter ouvido falar do sucesso de outras campanhas no ano passado, como as parcerias entre o Boticário e o chiclete Bubbaloo, ou entre o Oreo e Castelo Rá-tim-bum. Mas ninguém sai do básico, que é “nostalgia no marketing funciona”. Falta se perguntar: como chegamos até aqui? Por que funciona?
Aqui na Fluida, um dos autores que gostamos de acompanhar é o Rohit Bhargava, um autor e estrategista de marketing com foco em comportamento e antecipação de tendências. Em seu livro Não Óbvio (2021), ele fala sobre o que acredita ser uma das macrotendências de comportamento que vai influenciar a década: o revivalismo.
“Sobrecarregadas pela tecnologia e pela sensação de que a vida é agora muito mais complexa e superficial, as pessoas buscam experiências mais simples, que oferecem um sentimento de nostalgia e que as façam lembrar de uma época mais confiável.”
O revivalismo nada mais é do que a nostalgia, um sentimento, transformado em comportamento, ação. Para Rohit, as pessoas tendem a buscar tecnologias mais simples (aliás, nós falamos da volta dos analógicos na edição passada), sentem mais vontade de registrar e preservar a própria história e confiam mais facilmente em marcas que têm algum histórico cultural. Daí vem a sacada: se você é uma marca nova, uma marca que está tentando se posicionar como inovadora, ou está lançando um novo produto, pode ser interessante se associar com figuras que carregam essa retroconfiança.
Foi isso que Volkswagen tentou fazer na campanha em que usou a imagem de Elis Regina através de um deepfake. Para celebrar os 70 anos da empresa e promover as vendas da ID.Buzz (uma kombi elétrica em edição limitada de 70 unidades), eles apostaram forte na nostalgia, trazendo não só Elis Regina, falecida há mais de 40 anos e que sem dúvida deixou saudades em todo o país, mas também sua filha, Maria Rita; afinal, falar de família também é uma forma de evocar saudades do passado. Além disso, a empresa se apoiou na própria história (muitos que assistiram ao comercial se lembraram de outros carros dirigidos por seus pais, como o Fusca e a Brasília), na trilha sonora Como nossos pais, dos anos 1970, e na kombi antiga aparecendo ao lado da nova.
O comercial foi considerado um sucesso pela família da cantora (e provavelmente pela Volkswagen também), seja pelas respostas positivas ou pela repercussão geral, que foi enorme. Mas mesmo com tantos elementos conhecidos e amados, por que a campanha não agradou a todos?
Marcas devem estar preparadas para as críticas
Apesar de se propor a resgatar o passado, o comercial da Volkswagen lida diretamente com uma ferramenta que ainda não é considerada confiável: os deepfakes gerados por inteligência artificial. O uso de uma tecnologia muito nova, que ainda não é muito conhecida e nem regulamentada pela lei, vai contra a ideia de segurança da nostalgia, e aponta para um futuro incerto – quase um paradoxo, não é?
A nostalgia pode ter efeito para os dois lados: enunciar elementos do passado traz boas lembranças aos consumidores, mas a saudade também carrega algum preciosismo: nem sempre gostamos de mudanças ou atualizações. Há quem prefira apenas preservar a memória de uma artista muito querida como ela realmente foi, e não re-encenada para usos comerciais. Estamos falando de um mesmo sentimento que pode gerar reações opostas.
Quem não tem hater não tem lover, e a Volkswagen certamente estava ciente de que haveria críticas ao comercial. Será que os consumidores consideram ético usar a imagem de uma pessoa já falecida para um propósito unicamente comercial, mesmo com o aval da família? No dia 10 de julho, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) abriu uma representação ética (que é uma espécie de denúncia) contra o filme, afirmando que “não se sabe sequer se viva fosse, a Elis autoriza a imagem, ainda mais para fabricante de automóveis e para fins estritamente comerciais“.
Ainda em torno da mesma discussão, de acordo com o tabloide britânico The Sun, Madonna teria alterado seu testamento na última semana para proibir que usem sua imagem póstuma em forma de hologramas para a realização de shows. Será que estamos caminhando para uma época em que todo artista vai precisar deixar registrado em vida se permite ou não o uso da sua imagem após a morte? Ou ainda – será que um dia essa vai ser uma preocupação para qualquer pessoa, famosa ou não?
A nostalgia pode caminhar ao lado da modernidade?
Não há uma resposta certa para essa pergunta. Conforme já vimos, a nostalgia pode nos tornar protecionistas do passado, principalmente ao tocar em assuntos muito emotivos. Talvez o ponto de equilíbrio seja respeitar a essência do passado que se quer evocar, sem fechar as portas para nossa evolução enquanto sociedade.
Se por muitos anos a Barbie foi considerada um brinquedo que não era inclusivo, tudo indica que o filme de 2023 vai romper completamente com essa ideia – mas não de repente, e isso é muito importante. A Barbie é uma boneca que existe há mais de 60 anos e vem trabalhando para promover novos valores para sua marca há algumas décadas: de Barbies sempre loiras e magérrimas, a Mattel passou a fabricar novos modelos para que cada vez mais crianças e fãs se sintam representados. Além disso, o lema da boneca sempre foi “seja o que você quiser“. Um dos grandes méritos do marketing do filme estrelado por Margot Robbie até agora é justamente conseguir dialogar com uma sociedade modernizada sem deixar de lado a essência da Barbie, que reconhecemos sem esforço.